sábado, 18 de outubro de 2025

viver é um processo difícil e angustiante. aqui não nego beleza do viver. ao mesmo tempo que também reconheço o quanto é desafiador passar. crescer, se relacionar, descobrir como o corpo funciona, se conhecer, estar em grupo, estar só..
o processo de uma planta romper a semente, crescer, florescer é de uma beleza. e deve ser difícil. estar ali, nas surpresas do tempo e dos outros seres. quem quer ver, se admira. não somente as que chegaram a sua fase adulta e está florescendo e dando frutos. admira-se também as que morreram antes. e aí eu pergunto: como não se admirar as pessoas que aqui estão também nesse processo difícil de se mover para ir rompendo com aquilo que precisa para crescer? e as que partiram? a gente celebra. cada uma. a gente se pacienta. com a gente e com a outra. a gente espera. a gente chama pra conversar. a gente escuta. a gente ajuda e recebe ajuda. a gente compreende. a gente barra.

* Das escritas antigas *

Jessika de Sousa Macedo

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

como se vê para além das carcaças?

dia desses estava voltando para casa. tinha acabado de sair da aula, o ônibus não demorou a passar. comemorei ter lugar para sentar e me direcionei até ele. que era um daqueles mais altos. costumo sentar logo nos primeiros assentos, mas avistei um conhecido e fui cumprimentá-lo e estava mais próximo para sentar.

após algumas paradas, subiu uma senhora que se sentou do lado oposto ao meu, num banco mais a frente. na parada seguinte, a pessoa que estava a minha frente, no banco também alto, desceu e essa senhora correu para sentar no lugar dela.

ela se sentou, se acomodou e tirou um lanche que foi comendo despreocupadamente enquanto observava a rua.

e fiquei observando seus movimentos, suas expressões e em algum momento vi um frescor. um frescor que ultrapassava a pele enrugada. me demorei um pouco ali. e fiquei curiosa em saber dela. acho que principalmente por ter aprendido que com a idade a gente perde a vivacidade, a gente passa a ser dependente, a gente passa a ser um objeto na mão de outras pessoas que serão responsáveis por nós. voltei para a leitura que estava fazendo. mas foi difícil a concentração. fiquei observando as pessoas que passavam na rua também e me perguntando o que faz com que esse frescor saia, seja visto e transcenda qualquer papel, posição, pele, idade, sotaque. o que faz com que ele seja presente em nossas ações, no nosso fruir.

Jessika de Sousa Macedo

terça-feira, 12 de agosto de 2025

voilá

Este blog é um pedaço daqui que decido deixar público e que também visito, leio, leio de outra forma..e dia desses fui reler um texto que coloquei aqui e fiquei pensando em colocar uma observação. 
Fiquei pensando no que (ainda) dizem que 'as escritas subjetivas não se explicam'. E concordo, de certa forma. E ao mesmo tempo, fico pensando nesses tempos de recortes e distorções de conteúdos (tô chamando de conteúdo por estar em contexto de internet) e uma propagação facilitada dessas distorções. Vejo como responsabilidade dizer a intenção, de onde surgiu o conteúdo. Isso foi um compromisso que fiz comigo, lá na adolescência, quando decidi deixar público algumas coisas que passam por essa cabeça. Falar da intenção daquelas coisas que podem ter várias interpretações. Principalmente as que podem ir para lugares perigosos. Como justificativa de ações violentas. 
Na minha cabeça sei o contexto daquilo que tô dizendo, mas quando levo para fora pode cair em lugares diferentes. Sei que não impede o mal entendido, mas pode diminuir as brechas para a distorção intencional. 
Uma das justificativas em dizer que não se explica (dá um contexto) as subjetividades (texto, pintura, música..) é o de perder o sentido da coisa em si ou de perder a graça. Mais uma vez, concordo em certa medida. Me preocupa apenas as que podem facilmente cair no lugar da distorção. E fico 'a cá' pensando que nunca entendi parábolas sem contexto. Elas ditas cruamente. Nem piadas. E que quando colocam em um contexto e explicam elas, não deixam de ser interessantes e engraçadas. Até o spoiler. Como a própria vida. Tá todo mundo aqui sabendo que o corpo morre. E nem por isso, deixa de ser interessante quando se tem um envolvimento com a vida. Sei lá..acho que sempre tem um mistério, a vivência de cada um. E falar, explicar o que tá na sua cabeça não deixa menos interessante - a meu ver. E resolvi deixar isso aqui para lembrar quando a dúvida, se coloco ou não observações em algumas escritas, surgir novamente. E ver se continua fazendo sentido esse pensamento aqui..

Jessika de Sousa Macedo

quarta-feira, 30 de julho de 2025

que eu esteja protegida da ignorância.
que eu possa ver para além daquilo que se
apresenta.
que eu lembre do seu ritmo - em todos os
momentos -
e que ele está em mim
pulsando do lado esquerdo
serenamente.
que eu saiba responder com o peso e medida
adequados.
respeito e reverência.
que eu possa estar atrás
para que eu reconheça que és tu
- mãe criadora -
falando
agindo.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

estilhaços

quero ser vista
que me olhe.
me reconheça.
não sou muito diferente de você.
umas manias aqui
uma textura ali.
não muito diferente.
quase semelhantes
por que você não quer me ver?
eu te envergonho?
eu te constranjo?
eu te enojo?
eu te encanto?
você enxerga a sua beleza?
eu a tenho.
você enxerga a sua estranheza?
eu a tenho.
tenho sua feiura também.
você as vê?
e por que não me vê?
pra quê as vê somente em mim?
não me endeuse
não me menospreze.
apenas me veja.

(texto brotado na aula de Pedagogia - sobre preconceitos)

Jessika de Sousa Macedo

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Ato sem nº

Eu só queria chorar
Não quero te capturar.
Você foge, corre, como se quisesse que não te alcançasse.
Só queria me despedir, chorar o luto que não me disse: Eu não quero tu aqui.
Foi embora e esqueceu de despedir.
Decidiu morrer pra mim
Só queria ter podido me despedir.
Mas não tem problema
Me embolo, dou cambalhota para dentro
em direção à minha escuridão e chama.
Olho para a sombra que vem delas.
Me contorço e contorço
Silêncio - vazio
Diferente do silenciamento barulhento
que nada se escutava
O silêncio onde uma só palavra colocada ali
Dança. Se expande. Germina.
Paralisada. Sem querer me mexer
Como se as letras fossem embaralhar
Como quando se esquece do sonho ao acordar
Eu sei que tenho que me levantar.
Espreguiçar - Frutuar.
Até levanto
Cambaleante
Ainda não era pra voltar?
Cadê energia?
A força de assentar
Enraizar para andar aqui
Desnutrida ou com muito ar?
Sei lá
Voando por lá pelas memórias
mortas.
Adeus
Só quero dizer
Adeus.

Sei lá?

sábado, 15 de março de 2025

toxic

Faz um tempo que venho tendo vontade de voltar a escrever como no período pouco antes de criar o blog. [E quando digo escrever, não digo escrever para o blog. As palavras não andam saindo nem para um diário.] Não como exatamente, mas com aquele compromisso. Ao mesmo tempo que tenho medo de entrar nesse lugar. A escrita seria parte do meu dia. [Como alimentar o corpo. A gente nunca sabe exatamente como vai ser o caminho. Nem o resultado. Tenho medo de saber o que surge dela.] Naquela época sempre atendia suas requisições. Não tínhamos um acordo nosso. O desejo, o nevrálgico ditavam. E era divertido. Quero dizer, com o tempo passou a ser divertido. No início, tinha o mesmo medo de agora. O medo de saber dela, de mim. Medo. Ou seria espanto. Não sei ao certo. [E ao mesmo tempo ficou insustentável. Sério? Agora que já estava quase entrando em sono profundo cê quer vim bater um papo? Dormia bem depois do papo, isso é verdade. Ou não. Não sei. A memória, por vezes, me trai. E na adolescência, no auge dos hormônios, que sono viria tranquilo com uma provocação de tema social? Relacional? Mas pelo menos tirava a ideia da cabeça.] Mas me lembro que tinha medo da primeira palavra. Acho que com o tempo fui tomando intimidade, brincando - e meu irmão também ajudava. Depois veio a segunda onda de medo. Posso mesmo escrever e dizer o que estou pensando, sentindo, observando para outras pessoas? Minha opinião e conhecimento do momento? Ela sempre achava um jeito de tirar sarro desse segundo medo. E estando agarrada nas mãos dela, ele era colocado de lado. [Ela era insistente e se fazia presente. Quando via, já tava lá. Escrevendo. Como agora. Isso aqui seria apenas um lembrete, um trecho para desenvolver depois. E veja só. Sabe aquele beijo despretensioso. Que começa devagar. Quase como numa brincadeira. E quando vê, você é aquele momento. Não existe mais nada. Nem você. É mais ou menos por aí. Nunca sei o caminho que tomarei, que ela me levará. Só vejo as portas. E a sedução de mais uma palavra.]
Medo. Risos. Espanto. Mais risos. E totalmente seduzida. Cá estou eu.

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Numa tempestade

centenária foi ao chão

calor subiu, árvore caiu.

quarta-feira, 5 de março de 2025

"cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada"

 


Já tem um tempo que venho apreciando, saboreando, observando a minha vivência com meus cabelos (isso iniciou mais quando, já de cabelo raspado, me perguntei o que me levava a gostar tanto do cabelo raspado, da facilidade em cuidar, em não precisar pentear. E por que não estava conseguindo deixar ele crescer. E sim, ainda gosto de me ver com ele raspado, como de me ver com ele liso ou black. Mas essa simples pergunta e observação me fizeram passear um pouco por minhas experiências.). E também um tempo que venho adiando colocar isso no papel ou pensar - racionalmente também - sobre. Sobre a dor e a integração.
O cabelo, até onde lembro, "era fonte" de sofrimento, de violência. Olhando para trás, no tempo, lembro do processo que era lavar, desembaraçar e fazer um penteado. Sejam tranças, cachos, 'maria chiquinha'. O processo era de tortura. O cabelo embaraçava muito, não ficava quieta e quem fazia perdia a paciência. Pente no braço, segurada mais forte na cabeça, palavras. Não consigo me recordar de momentos bons durante esses processos. Ao lembrar, me vem algo dolorido. Talvez tenham tido? Talvez. Já mais velha, pela adolescência, a dor física vinha dos puxões e quentura do secador e da química.
Percebo que as violência verbais eram mais diretas na infância: cabelo de pixaim, bombril, vassoura, piolhenta, cabelo de bruxa. Isso me doía ao escutar, mas eu não sei para que lugar ia do meu corpo. Eu não sabia explicar o que era aquilo. Hoje, entendo que tá dentro do racismo. E hoje não culpo as pessoas que falaram e nem as que deixaram de me proteger. A cultura colocava o cabelo crespo em um lugar de horror nos anos 90. Ao mesmo tempo, me agarrava a uma única frase dita de forma amorosa: meu cabelo de pipoca. A mente parece que faz esforço para guardar antídotos. Na adolescência, outra época - "de transição" - cultural(?!), as violências eram indiretas: seu cabelo é difícil, seu cabelo dá trabalho, é a prova de fogo. Ditas em um contexto de mudar a forma dele para liso. São expressões até meio óbvias - dá trabalho mudar a forma de algo - e quando ditas entravam em um lugar de pessoalização, de 'você é um problema', 'atrapalha'. Lembro das inúmeras vezes que também repetia essas expressões para quem ia escovar ou fazer progressiva, para me sentir menos mal por estar 'dando trabalho'. Como se eu fosse a culpada por ter cabelo crespo e como se ter cabelo crespo fosse um problema. Também não culpo. Nem a mim que também me violentei com palavras "em nome" da preservação de uma cultura.
Em algum momento senti raiva e desejei que ele ficasse de fato liso para deixar de dar trabalho. Com o tempo, fui entendendo que ele não dá o maior dos trabalhos. Eu só não sabia dar o cuidado que ele precisava. E acho que nem as pessoas que tocaram nele - e aqui não falo somente de técnica. Falo de aceitação também.
Fui entendendo que os cuidados mudam dependendo do(s) tipo(s) de fio(s) do cabelo. A base do cuidado é a mesma. Precisa lavar, precisa se alimentar direito - o que come influencia na saúde do fio. Agora o cuidado externo é diferente. Os nutrientes em um fio com curvas passa com mais dificuldade do que em um fio reto. No fio sem curvas ele tem mais livre passagem. Entender isso é importante no processo de cuidar. E entender que as pessoas onde esses cabelos existem, ainda mais se a pele for retinta, são forçadas a ocupar esses lugares com barreiras - na estrutura social de hoje -, também é importante. Saber de uma coisa sem a outra, acho que tem grandes chances de cair nesses lugares de violência que fui exposta na infância e adolescência. E aqui não falo das pessoas. Elas não tinham a intenção de causar violência - talvez uma ou outra faziam por escolha. Aqui falo da ignorância mesmo.
(...)

Jessika de Sousa Macedo