domingo, 1 de outubro de 2023

processo de desumanização?

dia desses fui pegar o bus e acabei perdendo. o próximo passaria dali a 40min mais ou menos. fui procurar comida, pois já passava da meia noite e estava com fome.
ali perto estava tendo um festival e me desloquei para lá. pensei: se tem música, tem comida. cheguei, escolhi um local e fiz o meu pedido. um yakisoba com legumes. estou lá comendo, focada para não me queimar e não perder novamente o bus. minutos depois, passa uma moça pedindo dinheiro para comer, pois disse que não conseguiu muito dinheiro pq as pessoas hoje em dia pagam no pix - ela é malabarista. dei uma das notas que tinha, pensando no ônibus que ainda ia pegar. minutos depois, apareceu um homem que vinha caminhando em minha direção com uma certa ferocidade. confesso que fiquei um pouco com medo. por eventos anteriores. abaixei o olho e tentei continuar focada no que estava fazendo para não entrar na paranoia do medo. mas antes de chegar até mim, ele parou no lixeiro que estava ali próximo e começou a pegar comida. ainda estava me recuperando do medo da primeira cena, de cabeça um pouco baixa, quando senti um empurrão no braço (não havia ninguém). olhei então para a cena e continuei comendo. senti dor por aquela situação, mas continuei comendo. naturalmente. pela primeira vez não tive o impulso de fazer algo e pela primeira vez não fui movida pela culpa para fazer algo. fiquei lá comendo e ele também. pouquíssimos segundos depois, um moço se levantou da sua mesa e com muita energia colocou o cachorro quente que estava comendo nas mãos desse homem (e retornou para a mesa) que devorou aquela pequena comida como alguém hipnotizado. o homem se dirigiu até a mesa do rapaz que também o entregou o refrigerante. logo em seguida, pegou o cachorro quente das mãos da moça que o acompanhava e deu para o homem. e a todo momento ele me olhava. não consegui identificar que olhar seria. diria atônito, mas não sei se era eu me vendo por ele por aquela minha ação e novidade da não culpa e não ação em relação à cena. mas uma coisa identifiquei. ele após a ação ficou agitado, pediu a conta com pressa e partiu.
nos dois casos poderia ter feito algo diferente. no primeiro, poderia ter perguntado a moça porque ela não tinha um pix? pois é simples de ser feito e gratuito. isso nem me passou pela cabeça. puxar para conversar, como costumo fazer. no segundo, poderia ter dado o meu yakisoba para o homem ou dividido - pois não tinha dinheiro para comprar outra coisa - e chamado para sentar, como de costume.
não. nada disso aconteceu e ainda não sei o que isso significa. nesse mesmo dia, mais cedo, estava me julgando, dizendo estar perdendo a minha humanidade por me perceber mais distante das pessoas. por não me interessar em estar perto emocionalmente. como antes. me julgando não mais ser uma amiga próxima. me julgando mesmo sabendo que se qualquer pessoa viesse a meu encontro, receberia algo. me julgando por estar fazendo menos que antes. parei com o julgamento, mas continuo sem saber o que isso significa. ainda me perguntando se é um processo de desumanização. mas uma coisa aconteceu pós a cena com o moço e com o homem. a pessoa que estava me atendendo me deu um copo de suco e disse que era cortesia da casa. não sei se ele quis me ensinar como é ser um ser humano ou se estava me entregando ódio ou se estava me entregando apenas um suco de laranja. independente de qual suco era, bebi enquanto me encaminhava para o ponto de ônibus. pois naquele momento estava na dúvida se estava me desumanizando e tinha começado a vir o sentimento de culpa.

Jessika de Sousa Macedo