quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Por esses tempos tenho pensado no luto. Talvez pelo período pandêmico, talvez por ter tido algumas perdas, talvez por mudança de casa e não mais compartilhar esse espaço com outra pessoa. É uma temática que tem me sido tão próxima (acredito que não somente para mim). E hoje entrei em contato com a palavra desistência na mesma frase da palavra recomeço. Isso de alguma forma mexeu comigo e por essa inquietação, resolvi escrever e observar até onde vamos.
Acho que o que me fez fazer esse movimento foi por apreciar essa temática como mais profunda e por perceber uma simplificação banal. Não percebo incoerência nas duas palavras estarem na mesma frase. Essa não é a questão. Mas a banalização. Entendo que ao reiniciar algo, você parte de algo que já existe. Percebo que não há exatamente uma desistência, o abrir mão, não prosseguir com algo. Talvez seja em alguma parte. Por exemplo, tenho uma empresa e percebo que não estou conseguindo ter alcance a possível comprador. Posso mudar a forma de divulgação, por exemplo. Poderia dizer que há uma desistência da forma antiga de se fazer divulgação, há um reolhar, um descobrir novas formas. Vendo essa desistência como forma de mudança, de uma tentativa de resolução.
Talvez o que tenha me incomodado foi ter lido a desistência como tornar as coisas como concluídas. Me pergunto se aqui há de fato algo que tenha sido concluído? Até a morte física de um ser, me pergunto se é sinal de conclusão? Observo mais como uma modificação, uma renovação (aqui a outra palavra) daquilo que se vivia. Não vejo as coisas como concluídas de fato. Literalmente. Talvez essa confusão venha por pessoalizar a situação como um todo no lugar de olhar para o fato, a forma, a relação que está se abrindo mão. Vejo sendo colocado o desistir de uma relação como o desistir de uma pessoa. Como se fosse possível fazer uma exclusão dessa pessoa. Por exemplo, tenho uma relação de amizade ou um casamento e decidimos ou uma das partes decide romper. Podemos nos distanciar, não ter mais contato, mas as pessoas continuam existindo fisicamente, emocionalmente, mentalmente etc. Como se exclui, joga fora algo ou alguém que nasceu neste planeta?
Percebo que abre margem para ir desistindo, jogando fora tudo que não mais funciona. No lugar de trazer um novo olhar, uma modificação, a resolução melhor para os envolvidos olhando as necessidades do momento a cada momento, soltando o fixo, o quadrado. Percebo esse jogar fora como acumulação. Como o lixo que a gente produz e descarta no lugar de dar uma nova utilidade. Seja a reciclagem, seja a matéria orgânica para adubo. É nesse ponto que observo não haver conclusão real. Pergunto então por que procurar por ela? Se não resolvo aquilo que não está fluindo dentro de casa, da aldeia, da sociedade, de forma consciente, se vou acumulando, o que aconteceria? Será que optar por excluir, abrir mão vem do medo do que poderia vir a ser? Desse recomeçar?

Jessika de Sousa Macedo

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Desencontro?

Talvez a vida seja um eterno
Encontro
Com a gente.
Não com o outro.
Talvez o outro nos faça
Caminhar por esses lugares.
Seja com uma música,
Seja com um jeito de fazer carinho,
Seja com a forma de falar,
Seja com a forma de olhar.
Contato.
Talvez por esse motivo queremos estar
Perto,
Longe.
Dependendo daquilo que nos ajudou
A lembrar.
E aí me pergunto:
Como ajo com algumas diferenças
Com as pessoas?
Por que me sinto confortável com essa
E desconfortável com aquela?
O desconforto é com elas ou com o conteúdo?
Por que ajo com aquela e
Travo com essa?
Afetos?
Em quê isso me afeta?
Expressão?
Saber dançar no furacão?
Talvez.
Mas acho que não apenas isso.
Em todo lugar que olho
Tem parte minha.
Em toda ação que faço
Tem eu.
Estamos sós, então?
E o outro?
Onde fica?
Nesse encontro?
Nesse outro espaço vazio
Criado pelo contato?
Nessa oportunidade dada de descobrir junto-separado
Mais uma parte nossa?
Talvez.
Mas isso já é outro capítulo. 

Jessika de Sousa Macedo

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Palavras

Trecho do livro “A bailarina de Auschwitz”

E quando se escuta que não se pode amar?
E quando se escuta que não pode ser mar?
Palavras que chegam e se perdem por entres as águas.
Presentes em cada onda.
Sem a devida atenção,
Deixadas em rastro na visita às areias.
Todos recebendo essa desatenta atenção.
Eu, refletindo o que me afetou.
Ventos vindo mais uma vez do leste
Formando furacão.
Tsunami trazendo do fundo aquilo que não olhei.
Agora boia.
Na minha frente palavras que pensei ter afogado.
Que pensei ser sem valor.
Agora boia na minha frente
A causa de tanta dor.
Na calmaria pós tempestade
Agora olho.
Agora observo
Essas palavras vindas
E que me afetou.

Jessika de Sousa Macedo

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As coisas acontecem e às vezes a gente nem se dá conta. As experiências são como vários braços de rio desembocando na gente ao mesmo tempo. Um mar recebendo água de todos os lugares e, quem vê de fora fala mar, enxerga a superfície da água.
Às vezes algumas águas chegam com detritos que às vezes afundam ou expomos. E às vezes nem vemos o curso que damos a esses detritos por nem perceber sua presença ali.
Esse automático em nem verificar se ferida formou. Enquanto o sangue jorra, sai manchando tudo por onde passa e em você, apodrece, fede.
A ferida que nem se olhou.
Tô tentando sair do subjetivo e trazer as palavras para o objetivo, mas ainda parece haver dor incessante - identificação.
Só quero dizer que cuide, por menor que se aparenta. Apenas olha, observa, averigua esses detritos que te afetam. Tenta dar encaminhamento consciente para não transbordar aquilo que pensa que passou.
Cuida desses detritos que até você chegou. Às vezes vem de longe. Às vezes é antigo. E cuida também de cada luto seu que por ele passou.