sábado, 15 de março de 2025

toxic

Faz um tempo que venho tendo vontade de voltar a escrever como no período pouco antes de criar o blog. [E quando digo escrever, não digo escrever para o blog. As palavras não andam saindo nem para um diário.] Não como exatamente, mas com aquele compromisso. Ao mesmo tempo que tenho medo de entrar nesse lugar. A escrita seria parte do meu dia. [Como alimentar o corpo. A gente nunca sabe exatamente como vai ser o caminho. Nem o resultado. Tenho medo de saber o que surge dela.] Naquela época sempre atendia suas requisições. Não tínhamos um acordo nosso. O desejo, o nevrálgico ditavam. E era divertido. Quero dizer, com o tempo passou a ser divertido. No início, tinha o mesmo medo de agora. O medo de saber dela, de mim. Medo. Ou seria espanto. Não sei ao certo. [E ao mesmo tempo ficou insustentável. Sério? Agora que já estava quase entrando em sono profundo cê quer vim bater um papo? Dormia bem depois do papo, isso é verdade. Ou não. Não sei. A memória, por vezes, me trai. E na adolescência, no auge dos hormônios, que sono viria tranquilo com uma provocação de tema social? Relacional? Mas pelo menos tirava a ideia da cabeça.] Mas me lembro que tinha medo da primeira palavra. Acho que com o tempo fui tomando intimidade, brincando - e meu irmão também ajudava. Depois veio a segunda onda de medo. Posso mesmo escrever e dizer o que estou pensando, sentindo, observando para outras pessoas? Minha opinião e conhecimento do momento? Ela sempre achava um jeito de tirar sarro desse segundo medo. E estando agarrada nas mãos dela, ele era colocado de lado. [Ela era insistente e se fazia presente. Quando via, já tava lá. Escrevendo. Como agora. Isso aqui seria apenas um lembrete, um trecho para desenvolver depois. E veja só. Sabe aquele beijo despretensioso. Que começa devagar. Quase como numa brincadeira. E quando vê, você é aquele momento. Não existe mais nada. Nem você. É mais ou menos por aí. Nunca sei o caminho que tomarei, que ela me levará. Só vejo as portas. E a sedução de mais uma palavra.]
Medo. Risos. Espanto. Mais risos. E totalmente seduzida. Cá estou eu.

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Numa tempestade

centenária foi ao chão

calor subiu, árvore caiu.

quarta-feira, 5 de março de 2025

"cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada"

 


Já tem um tempo que venho apreciando, saboreando, observando a minha vivência com meus cabelos (isso iniciou mais quando, já de cabelo raspado, me perguntei o que me levava a gostar tanto do cabelo raspado, da facilidade em cuidar, em não precisar pentear. E por que não estava conseguindo deixar ele crescer. E sim, ainda gosto de me ver com ele raspado, como de me ver com ele liso ou black. Mas essa simples pergunta e observação me fizeram passear um pouco por minhas experiências.). E também um tempo que venho adiando colocar isso no papel ou pensar - racionalmente também - sobre. Sobre a dor e a integração.
O cabelo, até onde lembro, "era fonte" de sofrimento, de violência. Olhando para trás, no tempo, lembro do processo que era lavar, desembaraçar e fazer um penteado. Sejam tranças, cachos, 'maria chiquinha'. O processo era de tortura. O cabelo embaraçava muito, não ficava quieta e quem fazia perdia a paciência. Pente no braço, segurada mais forte na cabeça, palavras. Não consigo me recordar de momentos bons durante esses processos. Ao lembrar, me vem algo dolorido. Talvez tenham tido? Talvez. Já mais velha, pela adolescência, a dor física vinha dos puxões e quentura do secador e da química.
Percebo que as violência verbais eram mais diretas na infância: cabelo de pixaim, bombril, vassoura, piolhenta, cabelo de bruxa. Isso me doía ao escutar, mas eu não sei para que lugar ia do meu corpo. Eu não sabia explicar o que era aquilo. Hoje, entendo que tá dentro do racismo. E hoje não culpo as pessoas que falaram e nem as que deixaram de me proteger. A cultura colocava o cabelo crespo em um lugar de horror nos anos 90. Ao mesmo tempo, me agarrava a uma única frase dita de forma amorosa: meu cabelo de pipoca. A mente parece que faz esforço para guardar antídotos. Na adolescência, outra época - "de transição" - cultural(?!), as violências eram indiretas: seu cabelo é difícil, seu cabelo dá trabalho, é a prova de fogo. Ditas em um contexto de mudar a forma dele para liso. São expressões até meio óbvias - dá trabalho mudar a forma de algo - e quando ditas entravam em um lugar de pessoalização, de 'você é um problema', 'atrapalha'. Lembro das inúmeras vezes que também repetia essas expressões para quem ia escovar ou fazer progressiva, para me sentir menos mal por estar 'dando trabalho'. Como se eu fosse a culpada por ter cabelo crespo e como se ter cabelo crespo fosse um problema. Também não culpo. Nem a mim que também me violentei com palavras "em nome" da preservação de uma cultura.
Em algum momento senti raiva e desejei que ele ficasse de fato liso para deixar de dar trabalho. Com o tempo, fui entendendo que ele não dá o maior dos trabalhos. Eu só não sabia dar o cuidado que ele precisava. E acho que nem as pessoas que tocaram nele - e aqui não falo somente de técnica. Falo de aceitação também.
Fui entendendo que os cuidados mudam dependendo do(s) tipo(s) de fio(s) do cabelo. A base do cuidado é a mesma. Precisa lavar, precisa se alimentar direito - o que come influencia na saúde do fio. Agora o cuidado externo é diferente. Os nutrientes em um fio com curvas passa com mais dificuldade do que em um fio reto. No fio sem curvas ele tem mais livre passagem. Entender isso é importante no processo de cuidar. E entender que as pessoas onde esses cabelos existem, ainda mais se a pele for retinta, são forçadas a ocupar esses lugares com barreiras - na estrutura social de hoje -, também é importante. Saber de uma coisa sem a outra, acho que tem grandes chances de cair nesses lugares de violência que fui exposta na infância e adolescência. E aqui não falo das pessoas. Elas não tinham a intenção de causar violência - talvez uma ou outra faziam por escolha. Aqui falo da ignorância mesmo.
(...)

Jessika de Sousa Macedo